Com estrutura deteriorada há anos, terminal passará por modernização, mas ambulantes denunciam falta de diálogo e abandono
A Rodoviária do Plano Piloto, coração do transporte público da Grande Brasília, iniciou neste mês uma nova fase.
A gestão do terminal foi oficialmente transferida à iniciativa privada no último domingo (1º), com a entrada em operação da empresa Catedral, vencedora da licitação promovida pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
O contrato de concessão prevê investimento de R$ 120 milhões, podendo chegar até R$ 150 milhões para a recuperação, modernização e manutenção do espaço.
O processo de concessão, baseado na Lei Distrital nº 7.358/2023, teve o aval da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano (ConPlan).
Entre as melhorias anunciadas estão a reativação de escadas rolantes e elevadores, além da presença de equipes técnicas de manutenção em tempo integral.
“A primeira conquista foi disponibilizar os equipamentos para a população. Hoje, temos uma equipe 24 horas para atuar em caso de falha”, afirmou o secretário de Transporte e Mobilidade, Zeno Gonçalves. “Esse modelo de concessão assegura investimentos privados e arrecadação para o GDF. A reforma estrutural será feita com recursos da empresa, e o governo ainda receberá 12,33% da receita da concessão”, explica o secretário Zeno.
Segurança, limpeza e modernização
O Consórcio Catedral agora é responsável por administrar, limpar, conservar e manter a segurança de toda a Rodoviária.
O complexo, que integra diferentes modais de transporte e recebe cerca de 700 mil pessoas por dia, deve passar por transformações nos próximos meses, com foco em acessibilidade, infraestrutura e conforto para os usuários.
Apesar do otimismo do GDF com o novo modelo de gestão, a transição tem gerado apreensão entre os trabalhadores informais que ocupavam espaços dentro do terminal. Ambulantes foram deslocados para uma feira improvisada no estacionamento ao lado do Conjunto Nacional.
A permanência no local, no entanto, é provisória.
A mudança repentina acendeu o alerta entre os camelôs que atuam há anos na Rodoviária. Iranúbia Costa Silva, 47 anos, moradora do Paranoá, relata a sensação de insegurança e abandono. “Trabalho aqui há uns oito anos. Colocaram a gente nessa feira improvisada, mas ninguém sabe até quando podemos ficar. Não deram nenhuma posição concreta. Privatizaram tudo, colocaram cada coisa no seu lugar, menos a gente”, lamenta.
Segundo Iranúbia, muitos ambulantes não conseguiram se adaptar à nova estrutura e seguem trabalhando dentro da Rodoviária de forma precária. “Não houve diálogo. Ninguém nos chamou para conversar. Dizem que querem nos mandar para o Shopping Popular, mas lá não passa ninguém. A gente só quer vender nossos produtos dignamente”, expressa Iranúbia.
Ela afirma que o grupo precisou se organizar coletivamente para montar as bancas na nova feira, com pagamento de taxa de R$ 44 e contribuição para cobrir os custos de montagem. “Já temos clientes aqui. Organizando direitinho, dava para continuar. Queremos pagar taxa, sim, se for necessário. Mas o mínimo é ter uma estrutura digna, com banheiro, segurança, e saber que nossas mercadorias estarão aqui no dia seguinte”, declara a vendedora.
Denúncias de violência e intimidação
Além da falta de estrutura, ambulantes relatam abordagens violentas por parte das autoridades. “Tratam a gente como lixo. Já levei spray de pimenta na cara, e tenho lesão nas costas e na cara devido a uma abordagem policial na rodoviária. Teve um colega que teve o seu carrinho depois de levar um chute no rosto”, denuncia Iranúbia.
Josielma Amaral Nunes, 36 anos, moradora da região administrativa Riacho Fundo I, tem sua barraca na Rodoviária. A vendedora diz que o tratamento da polícia com eles é de lixo. “Parece que somos descartáveis, invisíveis, as mídias não mostram a violência e olhar de desprezo que passamos”, aponta Josielma que vende diversas peças de roupas femininas.
O GDF informou que um grupo de trabalho estuda áreas definitivas para os ambulantes, mas não há, até o momento, decisão oficial sobre realocação. Apesar da concessão, o GDF garante que o valor da passagem do transporte público não será reajustado por conta da nova gestão. O contrato prevê que toda a arrecadação do consórcio venha da exploração comercial do terminal, sem impacto direto para os usuários.(*Fonte:JBr)