O preço e a falta de alternativas públicas para cremação e enterro de animais de estimação aumenta ainda mais a dor dos tutores.
E a destinação incorreta que muitos acabam dando pode causar danos ao meio ambiente.
Com a perda de um animal de estimação, tutores na Grande Brasília enfrentam não apenas o luto, mas também o desafio de acessar um serviço essencial, que é a destinação adequada dos restos mortais dos pets. Não há opções públicas, o que torna o serviço financeiramente inacessível para muitos.
Em um cenário no qual 55% dos domicílios brasilienses abrigam ao menos um animal, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Ampliada (PDAD) de 2024, a ausência de alternativas gratuitas compromete tanto o bem-estar emocional de quem busca uma despedida respeitosa quanto o controle sanitário e ambiental da Grande Brasília.
Além disso, o impacto emocional da perda de um companheiro pode ser muito forte. “A gente tem que lembrar que hoje os animais são parte da família. O luto precisa ser validado e não depende da espécie, mas da relação que a gente constrói com ela. A despedida é essencial para a saúde emocional dos tutores”, diz a psicóloga clínica Sandy Luiza.
Carol Felix, 28, encontrou uma maneira simbólica de lidar com a perda. Após a morte da cachorrinha Susy, 20 anos, ela contratou um serviço de cremação e usou parte das cinzas para plantar uma árvore no prédio onde morava. “Ele tá lá crescendo, não tá florescido ainda, mas vai ser rosa. Transformei a saudade em ipê”, diz.
O preço da morte de um companheiro vai muito além dos custos financeiros. Rose Alves, 51 anos, viveu essa dor ao se despedir da poodle Patty, de 17 anos. Diante de um tumor no pâncreas, autorizou a eutanásia e optou pela cremação. Sem condições físicas e emocionais, não conseguiu acompanhar o processo. O serviço foi realizado em uma clínica veterinária e Rose preferiu não ficar com as cinzas.
Saúde pública
O Correio procurou a Gerência de Vigilância Ambiental, responsável pelo controle de zoonoses em Brasília, para entender como deve ser feito o manejo correto de animais mortos. O órgão explicou que não oferece subsídio para o recolhimento desses corpos. “Somos responsáveis apenas por recolher macacos, micos e morcegos, por serem potenciais transmissores de doenças específicas”, informou a pasta.
Já o recolhimento de animais mortos nas vias públicas da Grande Brasília é feito pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU). De janeiro a março deste ano, foram coletadas 19 toneladas. Em 2024, foram recolhidas 69 toneladas e em 2023, 64 toneladas.
A bióloga e mestre pela UnB Angélica Yousef alerta que o encaminhamento dessa quantidade de animais para aterros sanitários não é a forma mais adequada de manejo. Segundo ela, essa prática pode oferecer riscos à saúde pública. “O processo de decomposição dos animais pode durar bastante tempo, período no qual ocorre a proliferação de bactérias que podem contaminar o solo e atrair outros animais para o local, o que é prejudicial do ponto de vista sanitário”, aponta.
Para Aníbal Souza Felipe da Silva, presidente da Comissão Nacional de Medicina Veterinária Legal do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNMVL-CFMV), é essencial a destinação correta dos corpos para evitar esse risco.
No Brasil, a declaração oficial de óbito dos pets é feita por médicos veterinários, que devem fornecer um atestado ao tutor com orientações sobre a destinação adequada. “Se o animal morreu em uma clínica ou hospital veterinário, o estabelecimento pode cuidar da destinação. Caso o tutor opte pelo sepultamento, deverá responsabilizar-se por fazê-lo atendendo à legislação ambiental”, detalha.
Com a inclusão dos animais no núcleo familiar, formando o que juristas chamam de “família multiespécie”, aumenta a preocupação com a destinação adequada dos restos mortais desses pets.
Arthur Regis, vice-presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-DF, ressalta que o correto é sempre procurar as clínicas veterinárias e serviços especializados, por seguirem as normas locais. Ele reforça o alerta dos especialistas.
“Não é recomendável que o animal seja enterrado em áreas inadequadas, como granjas, pois isso pode configurar crime ambiental”, alerta Regis. Ele destaca que o corpo do animal pode contaminar o lençol freático durante a decomposição, representando riscos à saúde pública e ao meio ambiente.
Licenciamento
O Instituto Brasília Ambiental (IBRAm) informou que, em 2021, concedeu licença ambiental simplificada a um empreendimento privado, para a realização de serviços de cremação de animais. O órgão não localizou, em sua base de dados, autorização para cemitério de animais na Grande Brasília.
Sobre a licença para o cremátorio, trata-se da Ambiental Pet, localizada em Sobradinho, com escritório 24 horas na Asa Norte, que funciona dentro de uma clínica veterinária. A empresa oferece duas opções de serviço: cremação coletiva, sem devolução das cinzas, com certificado de cremação pelo WhatsApp; e cremação individual, com devolução das cinzas, pingente com cinzas, folha com a pata do paciente carimbada e certificado de cremação impresso.
Os preços variam conforme o peso do animal. Na modalidade coletiva, vão de R$ 350 a R$ 990. Na individual, ficam entre R$ 600 e R$ 1.350.
Legislação
O DF não conta com uma legislação distrital para tratar sobre cremação e sepultamento de pets. No entanto, tramita na Câmara Legislativa o PL 842/2019, de autoria do deputado Daniel Donizet (PL), que autoriza ambos os procedimentos em campas, túmulos e jazigos localizados nos cemitérios públicos e privados da Grande Brasília. O texto foi aprovado nas comissões de mérito e está na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) — última etapa antes do Plenário, onde será analisado sob a perspectiva da constitucionalidade.(*Fonte:Correio)