Por Elsânia Estácio
Com o envelhecimento acelerado da população, o Distrito Federal já conta 364.790 residentes com idade igual ou superior a 60 anos, o que representa cerca de 13% da população total, segundo dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Mulheres são maioria e correspondem a 58,15% desse total e homens a 41,85%.
Neste cenário, envelhecer com saúde tornou-se um desafio e, ao mesmo tempo, uma conquista coletiva. Longe de ser sinônimo de decadência, a velhice pode representar plenitude, aprendizado contínuo e protagonismo. No Guará, projetos comunitários, ações culturais e práticas médicas mostram que é possível viver mais e melhor.
Para muitos, envelhecimento ainda é associado a limitações. Mas não para a escritora, aposentada e moradora do Guará, Leopoldina Colares, que vê na idade uma oportunidade de recomeço. “Meu maior aprendizado foi perceber que o corpo envelhece, mas a alma não. Passamos por vários ciclos na vida, mas podemos sempre recomeçar, manter nossos sonhos e correr atrás deles”, compartilha.
Aos 86 anos, Leopoldina continua ativa, faz consultorias, atividade física, passeios e dança com acompanhamento profissional. “Cada dia é uma dádiva de Deus. A atividade física e o prazer de dançar renovam minha energia”, diz.
Dra. Jamilly Drago enfatiza o papel dos hormônios e do acompanhamento médico na prevenção de doenças e na qualidade de vida dos idosos
Ciência e cuidado
A medicina tem papel fundamental para garantir mais anos de vida com autonomia e saúde. A endocrinologista Dra. Jamilly Drago, que atua no cuidado de pacientes idosos, destaca a importância do acompanhamento especializado para monitorar os hormônios, que influenciam diretamente funções como metabolismo, força muscular, sono e humor.
“Com o passar dos anos, ocorrem mudanças hormonais naturais, como a queda de testosterona e estrogênio, além da redução do hormônio do crescimento. Identificar essas alterações ajuda precocemente a prevenir doenças como diabetes, osteoporose e disfunções da tireoide”, explica.
Já a Dra. Eliziane Brandão Leite ressalta que o médico da família, em parceria com o endocrinologista, tem um papel estratégico nesse cuidado. “O acompanhamento regular permite perceber sinais como alterações de peso, fadiga ou risco cardiovascular, possibilitando intervenções seguras, inclusive com reposição hormonal quando indicada. Essa integração evita complicações e favorece o envelhecimento ativo.”
As médicas endocrinologistas, Dra. Jamilly Drago e Dra. Eliziane Brandão afirmam que o envelhecimento saudável não depende apenas de cuidados médicos individuais, mas também de uma comunidade engajada. Para elas, é essencial que os espaços públicos sejam acessíveis, seguros e acolhedores, promovendo atividades físicas, culturais e sociais voltadas à terceira idade.
A médica Dra. Eliziane Leite destaca a importância do cuidado contínuo e da parceria entre médico da família e especialista no envelhecimento ativo
Dança que transforma
No Guará, o projeto Dança Terapêutica, idealizado pelo professor Iranildo Gonçalves Moreira, o Azulim, é um símbolo de como a arte e o movimento podem transformar vidas na terceira idade. A iniciativa começou em 2023, com apenas sete participantes, e hoje reúne cerca de 70 mulheres. “A ideia surgiu durante uma edição da Rua de Lazer, no aniversário da cidade. Levei minhas alunas para um aulão, e várias senhoras que estavam assistindo ficaram encantadas. No dia seguinte, me procuraram para montar uma turma aqui no Guará”, lembra o professor.
Professor Azulim e participantes do projeto Dança Terapêutica, que promove autoestima, saúde e memória afetiva na terceira idade
Com foco no corpo e na mente, a proposta vai além da dança. “Uma hora de aula equivale a 7,5 km de caminhada. Mas o mais importante não é só o movimento físico, é o resgate da autoestima e da alegria de viver. Através da escolha cuidadosa das músicas, trabalho com a memória afetiva das participantes. Elas se lembram da juventude, da família, de momentos especiais, e isso transforma o emocional delas”, explica.
Azulim também compartilha casos marcantes. “Já recebi alunas em depressão profunda que hoje estão com outro brilho no olhar. Mulheres com doenças crônicas que encontraram na dança um novo fôlego. O ambiente é acolhedor, leve, divertido, e isso faz toda a diferença.”
Cultura e política como aliados
O envelhecimento saudável também exige uma mudança cultural profunda. É o que defende o educador social e escritor Everardo Aguiar Lopes, idealizador do coletivo Eco Envelhescência. Para ele, envelhecer não é apenas sobreviver, é influenciar o presente com dignidade e consciência histórica. “Vivemos em uma sociedade que apaga as histórias dos mais velhos, especialmente daqueles que não são mais considerados produtivos para o sistema. Nosso desafio é romper com esse modelo violento que desvaloriza memórias, tradições e a própria experiência”, afirma.
Educador social Everardo Aguiar durante o
Festival da Longevidade: “Envelhecer é resistir,
transformar e influenciar o presente”
Everardo propõe o conceito de “produção do cuidado” como um compromisso ético entre indivíduos e gerações. “Enquanto o Estado tem a obrigação de promover o cuidado por meio de políticas públicas, nós, como sociedade, precisamos produzir cuidado, com escuta, respeito e presença. Isso começa no convívio, nas relações diárias, e precisa ser cultivado como uma pedagogia ética intergeracional.”
O Festival da Longevidade, promovido anualmente pelo Eco Envelhescência, reflete essa visão. Realizado em junho na Casa de Cultura do Guará, a terceira edição do evento trouxe o tema “A descolonização da eterna juventude” e promoveu debates sobre crise climática, cannabis medicinal, cuidado coletivo e intergeracionalidade, reforçando o papel ativo dos idosos na sociedade. “Envelhecer é resistir, transformar e influenciar o presente. O maior desafio da velhice no Brasil é o preconceito”, afirma Everardo.(*Jornal do Guará)