Após queda pontual em maio, índice sobe em junho e reforça alerta em meio ao aumento dos aluguéis e instabilidade econômica
Depois de um breve período de alívio, a inadimplência nos contratos de aluguel voltou a preocupar o setor imobiliário do Distrito Federal.
Em junho, o índice local subiu para 3,42%, contra 2,41% registrados em maio, configurando a segunda maior taxa do ano — atrás apenas de janeiro, que bateu recorde com 3,48%. Os dados fazem parte do Índice de Inadimplência Locatícia da Superlógica, plataforma nacional especializada em gestão de aluguéis.
Embora Brasilia mantenha taxas historicamente abaixo da média nacional — que foi de 3,59% em junho —, o cenário de 2025 mostra uma trajetória instável, impulsionada pela alta do custo de vida, aumento dos juros e reajustes expressivos nos aluguéis. A oscilação tem impacto direto sobre o orçamento das famílias brasilienses, principalmente nas localidades de maior valorização imobiliária.
Entre os imóveis com maior índice de inadimplência estão as casas e os pontos comerciais. Segundo o mesmo levantamento, os apartamentos mantêm menor percentual de atrasos (2,10% no Centro-Oeste), mas as casas registraram 4,38% e os imóveis comerciais, 5,72%. “O risco é maior em imóveis que não exigem garantias locatícias estruturadas, como contratos comerciais ou de alto padrão”, afirma o especialista em locações e tecnólogo em negócios imobiliários Deivisson Gomes, do Grupo Oficial São Sebastião.
No Distrito Federal, 29% dos domicílios são alugados, segundo a PNAD Contínua e levantamento do Secovi-DF — uma proporção bem acima da média nacional, que é de 21%. Esse dado reforça a importância do tema para a capital. Ao mesmo tempo, o custo da moradia segue em disparada. Em 2024, os aluguéis residenciais subiram 26,19% na região, mais do que o dobro da média nacional, conforme o Boletim de Conjuntura Imobiliária do Secovi-DF.
Os bairros mais valorizados, como Noroeste (R$ 69,75/m²), Asa Sul e Sudoeste (R$ 56,25/m²), puxam os valores para cima.
Por outro lado, em cidades-satélites como Taguatinga, o aluguel médio é de R$ 24,12/m².
No Lago Sul, casas podem ultrapassar os R$ 17 mil mensais. Em contraste, imóveis similares em Ceilândia custavam cerca de R$ 2 mil no fim de 2024.
Apesar do cenário, a Grande Brasília ainda lidera em renda: em 2024, a média domiciliar per capita foi de R$ 3.276, a maior do país segundo o IBGE. Mesmo assim, 67,9% das famílias brasilienses declararam estar endividadas em abril de 2025, de acordo com a Fecomércio-DF.
A parcela com contas em atraso caiu para cerca de 40%, a menor desde meados de 2024, mas o comprometimento com dívidas segue alto.
Retratos da dificuldade
O tatuador Nelson Fontella, de 27 anos, vive de aluguel há oito anos na cidade-satélite do Guará e Lúcio Costa e diz que a pressão dos reajustes o obriga a mudar constantemente. “Todo ano tem aumento, e às vezes é fora da realidade. Já tive que sair correndo de casa para conseguir arcar com os custos”, conta. Autônomo, Nelson lida com uma renda instável e vê até 80% do orçamento ir para o aluguel.
“O reajuste recente me fez cortar comida e lazer. Já vendi bens e pedi dinheiro emprestado para não atrasar. Tenho sorte da minha proprietária ser compreensiva, mas está tudo muito caro. Nem nas periferias se acha mais preço justo”, lamenta. Para ele, políticas públicas voltadas ao inquilino fariam diferença. “Facilidades para quem está em baixa renda e mais diálogo entre locadores e locatários seriam essenciais.”
O garçom Enmanuel Vásquez, 39, também morador do Guará, enfrenta situação semelhante. Desde um acidente de trabalho, está afastado e aguarda perícia do INSS, marcada apenas para novembro. Enquanto isso, sustenta duas filhas, paga pensão e vê o aluguel consumir quase metade do orçamento familiar. “Apresentei todos os documentos, mas o processo é lento. Faço malabarismos para não atrasar. Já deixei de comer direito para manter o aluguel em dia”, relata.
Além da crise financeira, Enmanuel também sofreu um assalto na própria quadra, que o deixou com lesões e fora do mercado. “A mudança é inviável. Os preços estão altos demais. Só o custo da mudança e da caução já torna tudo impossível”, diz. Para ele, subsídios temporários e canais de negociação mais acessíveis poderiam ajudar. “O mercado está descolado da realidade de quem ganha pouco.”
Negociar é o caminho
Segundo Deivisson Gomes, tecnólogo em negócios imobiliários, o perfil do inquilino inadimplente não segue padrão único, mas é mais comum onde não há garantias contratuais robustas. Para ele, a inadimplência pode ser contornada com acordos e renegociações. “Tem sido comum flexibilizar prazos e encargos. O ideal é evitar judicialização e manter o contrato vivo.”
Ele observa ainda uma mudança no mercado, com muitos inquilinos migrando para o imóvel próprio, diante do crescimento da oferta de lançamentos. Para os próximos meses, a expectativa é de recuperação, impulsionada pelo aquecimento de fim de ano.
Na avaliação do especialista, a estruturação do contrato desde o início é essencial. “Muitos problemas vêm da falta de preparo de corretores e da ausência de garantias. Uso garantidoras que cobrem 100% do aluguel, o que dá segurança para o proprietário”, explica. E completa: “O negócio só é bom se for bom para os dois lados. Disciplina, transparência e respeito à lei são fundamentais.”