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LOCOMOÇÃO NA CAPITAL FEDERAL: As dificuldades para deslocamentos e transporte na cidade

Publicada em: 12/08/2025 11:25 - GRANDE BRASÍLIA Mobilidade Urbana Transp. Público

Modelo de planejamento do vanguardista Lucio Costa, Brasília chega aos 65 anos com os mesmos problemas de trânsito e de mobilidade urbana de outras cidades tradicionais.

 

 Impossível fugir do transtorno nos horários de pico, ou quando há obras (quase permanentes) nas pistas, além das dificuldades de acesso ao transporte público.

 

O metrô, por exemplo, atende a menos de 1/3 da população. Os ônibus são outro desafio: não vão a todos os lugares e os horários são irregulares.

Projetada para 500 mil habitantes, a capital federal tem mais de 2,9 milhões, de acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 Com crescimento populacional, veio o aumento exponencial da quantidade de veículos nas vias do Distrito Federal. Segundo o Departamento de Trânsito (Detran), em uma década, saltou de 1,4 milhão para 2 milhões — aumento de 35,8%.

 

Especialistas ouvidos pelo Correio, no entanto, dizem que há solução para esse impasse: atualizar o projeto urbanístico e adequá-lo às necessidades dos moradores e usuários. Com elogios ao planejamento do mestre Lúcio Costa, eles ressaltam ser impossível pensar em um modelo imune aos avanços tecnológicos e ao aumento populacional e de veículos.

 

Aplausos

Especialista em trânsito, Arthur Morais, pesquisador da Universidade Católica de Brasília (UCB), lembra que o projeto vencedor para a construção de Brasília é de 1957, quando o modelo foi considerado de vanguarda e supermoderno. Porém, na época não se considerava o aumento demográfico, tampouco os avanços da industrialização e da tecnologia.

“O projeto de Brasília tem quase 70 anos. Não há conhecimento no mundo que nos faça prever 70 anos depois uma cidade. Brasília foi planejada, sim. Mas esse planejamento já se esgotou há décadas e não foi atualizado. As cidades crescem, são organismos vivos, elas se modificam. Não foi feito o que se deveria — rever esse planejamento, fazendo as adequações com antecedência”, destaca.

 

Para Morais, o modelo urbano da capital foi idealizado para carros, exigindo deslocamentos grandes e desencorajando a locomoção a pé. Com o crescimento do número de habitantes, não apenas no Plano Piloto, mas também nas regiões administrativas, aumentou a “população de veículos” — o que torna a mobilidade urbana insustentável e deixa as vias em estado de saturação.

“Há sete décadas, quem iria imaginar que a classe média teria dois ou três carros? Naquela época, existiam residências de 60 metros quadrados em um lote de 300 metros. Atualmente, em um espaço desse tamanho, é feito um edifício com 20 residências. A quantidade de postos de trabalho que existe no Plano Piloto hoje em dia também é infinitamente maior. Isso muda a cidade completamente”, destaca o especialista.

Adaptação

O arquiteto urbanista Sergio Myssior, professor da Fundação Dom Cabral (FDC), afirma ser necessário adaptar o projeto inicial às necessidades do presente. O especialista recorre a duas referências nacionais, como o Estatuto da Cidade, lei federal de 2001; e a Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012. Segundo ele, os dois ordenamentos entendem que a mobilidade urbana é vetor fundamental para o exercício dos direitos sociais da população, que tangem o acesso à saúde, à educação e ao trabalho.

Na opinião de Myssior, é urgente investir em transporte coletivo em Brasília para solucionar o caos atual. “Infelizmente, nos últimos anos e décadas temos adotado uma orientação contrária à Política Nacional de Mobilidade Urbana no Brasil”, ressalta.

 

O especialista destaca que essa tendência pode ser observada nas isenções e nas desonerações tributárias, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em apoio à indústria automobilística. “Enquanto o transporte coletivo leva, em média, 60 a 70 pessoas em cada veículo, um carro transporta, no máximo, uma família”, assinala.

Rio de Janeiro (RJ) 30/04/2024 – Trabalhadores usam ônibus em deslocamento na volta para casa, na região da Central do Brasil. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Usuários relatam rotina exaustiva

Com 966 linhas de ônibus e, em média, 1,8 milhão de passageiros, as queixas sobre o transporte público no Distrito Federal são constantes. Usuários reclamam da superlotação, da pouca flexibilidade de horários e dos acessos, pois muitos veículos não circulam por áreas em que há demanda, segundo eles. Há, ainda, reclamações sobre a má conservação. Para quem enfrenta o transporte coletivo, todos os dias são desafiadores, ainda mais quando as distâncias são longas.

Moradora de Planaltina, a 40km do centro de Brasília, a professora Pollyana Denar Garcia Pereira, 32 anos, leciona em uma escola da Asa Norte e percorre essa distância diariamente. “O ideal é pegar um ônibus W3 Norte/Sul, que para na porta do meu trabalho. Mas para chegar no horário certo, uso outras alternativas, até porque, demora de 20 a 40 minutos para passar outro veículo, e acaba não sendo viável. Tirando isso, tem o trânsito que, a partir das 6h, fica pesado na BR-020”, detalha.

A professora não cita, mas, no caso, “outras alternativas”, por vezes, são as conduções piratas. Um risco, sobretudo à segurança, uma vez que não são fiscalizadas nem tampouco regularizadas, à margem da lei. Pollyana conta que leva cerca de três horas no deslocamento entre o trabalho e sua casa.”Pegar um ônibus às 16h e chegar às 19h é muito cansativo. Além disso, muitas pessoas vão em pé no ônibus”, diz.

 

Mais complicado

Com o metrô, a situação se agrava, pois são 27 estações conectando apenas cinco regiões administrativas ao centro de Brasília — Guará, Águas Claras, Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. Na prática, boa parte dos moradores não tem acesso ao sistema. Não há, por exemplo, extensão para Asa Norte, Sobradinho e Planaltina. O governo do Distrito Federal argumenta que os estudos para a expansão do metrô estão na reta final.

O servidor público Mateus Júnior, 37, morador do Guará, se diz decepcionado diariamente com o serviço. ”Parece que esqueceram que a gente mora na capital do país, porque o sistema é ‘superlimitado’. Tem poucas linhas, os trens vivem lotados e atrasam toda hora. E as estações? Algumas ficam longe demais de onde a gente realmente precisa, aí ninguém usa direito. Dá vontade de desistir de ir de metrô”, lamenta.

 

Fora o transporte público, quem enfrenta o trânsito dirigindo também se estressa. Victor Procopio, 24, mora em Santa Maria e trabalha como motorista de aplicativo há seis anos. Ele dirige 10 horas por dia e calcula que perde, em média, quatro horas com engarrafamentos. “O trânsito está péssimo. Compreendo que a longo prazo as obras espalhadas pela cidade tendem a trazer um resultado positivo, mas o processo dificulta muito a vida de quem se locomove pelas vias da cidade”, afirma.

 

Morador de Luziânia, na região do Entorno, Breno Gustavo de Aguiar, 27, dirige de 10 a 12 horas diariamente. Ele conta que começa o expediente no aplicativo às 6h e que já perdeu até entrevista de emprego por estar preso em um engarrafamento. “Percebo que nosso trânsito piora a cada dia que passa. Os aplicativos poderiam ter uma faixa exclusiva, o que melhoraria o fluxo de carros. Ou até mesmo um rodízio. Mas como o Distrito FEderal recebe muita gente do Entorno, também é complicado”, comenta.

Para o arquiteto urbanista Sergio Myssior, é importante incluir modelos sustentáveis entre as prioridades. “Brasília, assim como outras regiões, tem a incrível capacidade de se transformar. Isso precisa ser exercitado a partir de novas orientações — que incentivam cidades sustentáveis, inteligentes, humanas e também inovadoras e empreendedoras”, sugere.

 

‘SEMOB/GDF’

Procurada pelo Correio, a Secretaria de Transporte e Mobilidade do GDF  informou que monitora e faz os ajustes necessários para atender à demanda de usuários. Sobre a reclamação da professora de Planaltina, a pasta disse que há seis linhas de ônibus que atendem o percurso entre a Avenida W3 Norte e imediações. “Os passageiros podem registrar suas sugestões por meio da Ouvidoria, pelo fone 162, ou diretamente no site ‘Participa-DF’. Todas as manifestações são encaminhadas para análise da área técnica”, acrescentou.

O Metrô de Brasília informou que iniciou a execução da construção de expansão para Samambaia, além de estar concluindo os ajustes solicitados pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal para dar início à licitação das obras em Ceilândia. No entanto, não respondeu sobre os planos de expandir as linhas para a Asa Norte.

 

“Cidade em 15 minutos”

O projeto de Brasília foi influenciado pelo manifesto urbanístico Carta de Atenas, de 1933, que pensava na composição do cotidiano das pessoas: moradia, trabalho e lazer. A proposta era que cada atividade estivesse em um determinado território dentro da cidade. No estudo Brasília e seu território: a assimilação de princípios do planejamento inglês aos planos iniciais de cidades-satélites, a pesquisadora Maria Fernanda Dernt descreve a polêmica causada pelo planejamento apresentado para a capital federal à época.

De acordo com ela, mesmo vanguardista, o projeto previa “uma considerável desigualdade socioeconômica entre o Plano Piloto e as cidades-satélites”, que se refletia na própria infraestrutura urbana. Assim, especialistas elogiam a proposta, mas defendem um novo olhar sobre o projeto.

O arquiteto urbanista Sergio Myssior observa que as cidades buscam a diversidade de uso, de ocupação e até mesmo de renda, de forma que a região possa constituir diversos polos de vizinhança e centralidades. “Há uma concepção amplamente divulgada e aplicada em várias cidades, para repensar o seu tecido urbano, que é a orientação a partir do conceito da ‘cidade em 15 minutos’. Ou seja: você conseguir cumprir a maior parte das suas necessidades cotidianas em um curto espaço de tempo — preferencialmente, sem a utilização do carro”, diz Myssior.

Para o arquiteto, a história de Brasília é motivo de orgulho, mas nem por isso os problemas devem ser esquecidos. “Os pioneiros que trabalharam na construção não foram contemplados no projeto original da cidade e formaram as áreas satélites, áreas periféricas, inclusive, desprovidas não só de infraestrutura, mas também de oportunidades de trabalho, renda, lazer, educação — fazendo com que as pessoas tivessem que se deslocar”, analisa.(*Fonte:CB)

 

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