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NOVOS TEMPOS: Estudantes relatam medo de debater política nas universidades

Publicada em: 07/09/2025 13:48 -

Pesquisa mostra que 47,7% dos estudantes evitam debater política e controvérsias no câmpus por temerem represálias de colegas

Nas universidades brasileiras, um fenômeno tem remodelado o cotidiano acadêmico: a autocensura e a crescente hesitação em verbalizar convicções. O tema voltou à tona após a expulsão do youtuber de extrema-direita Wilker Leão pela Universidade de Brasília (UnB) na última sexta-feira.

Leão gravava colegas e professores sem consentimento e os ridicularizava em suas redes sociais. O procedimento que levou à expulsão se arrastou por meses. Nesse período, grupos de direita organizaram manifestações incentivando, inclusive, atos violentos contra seus opositores.

O relatório “Liberdade de Expressão Acadêmica”, publicado no final de agosto pelo Instituto Sivis, revela receio entre estudantes e professores ao exercer a liberdade de expressão, pilar de qualquer democracia consolidada. Os dados mostram que uma parcela significativa dos alunos relata autocensura e hesitação em discutir certos temas.

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Quase metade (47,7%)dos entrevistados diz ter evitado assuntos controversos ou polêmicos em sala de aula nos últimos 12 meses. Esse comportamento se estende a conversas com outros estudantes (36,3%) e professores (41%). A relutância também está presente em discussões sobre política e eleições, com 39,3% dos relatando algum nível de hesitação, subindo para 42,4% dentro da sala de aula.

Lucas, aluno de Agronomia da Universidade de Brasília (UnB), que preferiu usar nome fictício, disse ter receio de expor suas opiniões dentro e fora da sala. De acordo com ele, o medo ainda é ampliado por seu curso, tido como de direita entre universitários.”Somos muito mal vistos por  aquele estereótipo de ser racista, fascista e direitista.

O que muitas vezes não é realidade, porque os dois lados existem aqui. Pode ser que tenha um pouco mais do pessoal de direita do que no resto da faculdade, mas tem os dois lados. E já aconteceu muita coisa com a gente, como quando vandalizaram e picharam o centro acadêmico, e brigas internas também. A gente sente medo por isso”, disse. 

O temor também atinge estudantes de outras ideologias. A aluna de comunicação do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), que escolheu o nome fictício Maria Eduarda, declarou ser de esquerda e ter grande receio de levar sua visão à universidade.

“Minha geração cresceu cercada de brigas por política, desde a época da Dilma (Rousseff) e do Aécio (Neves). Então, aprendemos que essas discussões não levam a nada positivo, só a desentendimentos. Acho que os debates são importantes, principalmente na universidade, mas que as pessoas desaprenderam a debater de um jeito civilizado”, completou.

O diretor do DCE da UnB e estudante de Ciência Política Luiz Philipe, Luiz Philipe, único aluno que escolheu se identificar, também acredita que debates devem fazer parte da formação universitária. “Hoje a gente tem um cenário da universidade de despolitização gigantesca”, diz.

Espiral do Silêncio

Estudantes que se autodeclaram de centro são os que mais relatam autocensura, representando 16,7% da amostra. Essa situação é compreendida à luz da teoria da “espiral do silêncio”, segundo a pesquisa, na qual indivíduos com opiniões percebidas como minoritárias ou heterodoxas tendem a se calar.

João, nome fictício atribuído a um aluno de Direito da UnB, considera-se de centro-direita e não conversa sobre política no ambiente universitário. Segundo ele, é muito constrangedor quando alguém fala abertamente na sala porque, na maioria das vezes, quem se posiciona tem opiniões radicais. “Essas manifestações são vergonhosas.

Há uns meses uma chapa da UNE (União Nacional dos Estudantes) colocou uma proposta de prender o (ex-presidente Jair) Bolsonaro. É impossível não rir. Como eles vão fazer isso?”, indagou. 

Joana, nome escolhido por estudante de Saúde Coletiva na UnB, identifica-se como centro-esquerda e também evita assuntos políticos no câmpus. Ela avalia que existe não só um esquivamento do tema, mas também uma fuga de quem expõe opiniões polêmicas frequentemente. “Eu sinto que no meu curso todo mundo se conhece.

Então, quando a gente sabe que alguém tem alguma opinião muito forte, a gente geralmente evita, porque as pessoas estão muito polarizadas e com muita raiva”, completou.

A pesquisa também revela que os estudantes temem retaliações vindas de seus pares. Cerca de 27% dos estudantes têm medo de comentários críticos de colegas após a aula, 21,6% acreditam que podem perder amizades, e 20% se preocupam com comentários críticos nas redes sociais. Em contraste, quase 50% disseram não se preocupar com retaliações por professores.

Universidade Plural

Ao Correio, a presidente da UNE, Bianca Borges, enfatizou que a universidade deve ser um espaço plural para todas as vozes, reafirmando seu compromisso com a democracia, a diversidade e a liberdade de expressão como entidade de “todos os estudantes”.

Segundo ela, “discordâncias são naturais” em uma sociedade democrática. “O que não admitimos são atitudes de intimidação ou espetacularização política que buscam silenciar colegas, como muitas vezes fazem grupos alinhados à extrema-direita. Nosso papel é defender o espaço público da universidade como ambiente de diálogo, não de hostilidade”, destacou. A presidente da entidade ressaltou que “debater não é cancelar”, e rechaçou perseguições pessoais.

O caso de Wilker Leão, por exemplo, extrapolou os limites da expressão. Ele foi expulso da UnB por uma série de faltas disciplinares graves, como: calúnia, injúria ou difamação contra membro da comunidade universitária; desacato funcionários ou servidores; violações aos direitos humanos; e atos incompetíveis com os valores da universidade.

Diante desse panorama, o relatório conclui que a promoção da liberdade de expressão nas universidades é essencial, sugerindo estratégias como o resgate da ideia da universidade como espaço dedicado à busca pela verdade, o incentivo a uma cultura de confiança e diálogo desde o início da graduação com espaços institucionais seguros para o debate, e o investimento em uma educação para a democracia, baseada em virtudes cívicas e competências socioemocionais desde o ensino fundamental.

A mudança nas reitorias e a pressão externa da sociedade também são apontadas como caminhos necessários para fortalecer a pluralidade.

Procurados, o DCE do UniCEUB, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não responderam até o momento da publicação da reportagem. A reitoria da UnB e as assessorias da Universidade de São Paulo (USP) e do UniCEUB responderam que não iriam se posicionar sobre o tema.*Estagiários sob a supervisão de: Victor Correia - (*Com informações do Correio Braziliense)

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